Na semana passada minha mãe me contou outra versão de uma história que vivi na infância.
Na infância, fugi de uma escola. Eu não tinha oito anos, estudava em um colégio particular, e meus pais se matavam para pagar a mensalidade. Mas, um dia, cansado da professora que pegava no meu pé, fugi do colégio. Me lembro de toda a cena da fuga: da mochila voando pela janela da sala até o pátio; do portão da escola destrancado; de virar a maçaneta da porta de ferro e sair sem ninguém me ver; de ser pego, já perto de casa, pelos diretores do colégio; de me levaram de volta para a escola; de não brigaram comigo na sala do diretor; de conversarem baixinho entre si durante as horas em que eu aguardava pelos meus pais; do medo que pairava naquele ambiente.
Agora, trinta e dois anos depois, minha mãe me contou outra versão da história, a que os diretores contaram para ela. Naquele dia, eles disseram que eu havia abaixado minhas calças para uma colega de sala. E que, por isso, eu havia fugido: por medo.
Que mentira bem bolada, pensei. Uma mãe envergonhada do seu próprio filho assumira toda a culpa pela fuga. Genial!
Eu odiei saber que enganaram minha mãe. Odiei pensar que, por mais de trinta anos, fui uma criança meio pervertida aos olhos da minha mãe. Mas também confesso que adorei a história: a sagacidade dos diretores para tirarem a culpa da escola; para ignorarem o portão aberto; a falta de segurança; o descuidado sobre eles. Tudo arruinaria aquele lugar.
Quero dizer: se eu não soubesse dessa história, eu não conseguiria escrevê-la.
A escrita de si, para mim, é uma forma de apurar minha capacidade de olhar para as histórias que acontecem, principalmente, perto de mim. As histórias bonitas e as absurdas. Aliás, tem história que é tão absurda que também é bonita. Eu já escrevi bastante sobre minha família amorosa, sobre meus pais, meus irmãos. Mas também já escrevi sobre os absurdos que acontecem ao redor... Todo mundo que está vivo aqui na terra conhece histórias que dariam bons textos.
— Sem saber olhar perto, é impossível olhar longe.
É assim que nos acostumamos a dizer que alguns escrevem bem e outros não. É com as histórias que acontecem ao redor que componho o meu repertório criativo. Inventar é, de certo modo, repassar as histórias adiante.
Por isso eu amo a crônica. É onde experimento-me. É meu laboratório da escrita, onde solto minhas histórias e aprendo a usá-las. É um flanar sobre as minhas próprias cidades, as minhas memórias
É isso que desejo quando escrevo: que, por mais absurda que seja, as pessoas acreditem na história que eu conto.
E isso só se alcança escrevendo-se.
- - -
Crônicas e Memórias | Inscrições promocionais abertas
Escrever sobre si é olhar para as histórias que nos cercam – as bonitas e as absurdas. No curso "Crônicas & Memórias", que começa em 18 de setembro, você vai aprender a transformar essas histórias em crônicas, onde a verdade e a invenção podem se misturar, criando narrativas que refletem o cotidiano (com uma pitada de literatura). Aprenda a transformar suas memórias em textos literários, usando a crônica como seu laboratório de experimentação.
Saiba mais aqui e garanta sua inscrição no valor promocional para as primeiras vagas. Termina em breve > > >
e a sua mãe caiu no papinho da escola? porque, independentemente do motivo, jamais deveria ser possível que uma criança saísse do colégio sem que ninguém visse…
Se roteirizar direitinho, a vida de todo mundo dá um bom filme ou um bom livro 💙