Foi na subida dos Pirineus, ainda na França, que Marc me alcançou. Não nos conhecíamos, então me cumprimentou rapidamente e seguiu em marcha. Era uma subida íngreme, mas Marc caminhava como se não fosse, enquanto eu sofria.
Cinco quilômetros depois, em uma cafeteria no meio da subida, nos reencontramos. Marc e sua pressa já tinham tomado café. Nos cumprimentamos outra vez, nós dois com as roupas molhadas de suor e orvalho. Trocamos algumas palavras sobre a dureza e a beleza daquele trecho. Deixei a mochila de fora, entrei na cafeteria, pedi um croissant, um café e fui para a varanda aproveitar o cenário exuberante da montanha.
Marc já se organizava para sair quando voltamos a conversar. A conversa fluiu tanto, que deu tempo de eu terminar meu café e, a convite de Marc, seguirmos juntos. Ainda tínhamos quase dez quilômetros de subida antes de descermos a montanha pelo lado espanhol.
Chegamos ao topo duas horas depois, paramos para um pequeno descanso, comprei fruta e água de um voluntário que supria os peregrinos por ali. Depois começamos a descer. No meio da descida, senti que Marc queria acelerar, então comentei que eu pretendia fazer uma pausa, mas que ele seguisse. E Marc seguiu sem pensar duas vezes, em marcha ainda mais forte.
No albergue de Roncesvalles, nos reencontramos, fizemos novos amigos, jantamos juntos no único restaurante da cidadezinha espanhola. Foi lá que soube que Marc pretendia terminar o caminho em vinte e cinco dias. Meu plano arrojado era de trinta e um, com uma média diária de vinte e cinco quilômetros. Mas Marc tinha alguma pressa e caminharia quarenta quilômetros diários.
Nos dois ou três dias seguintes, ainda caminhamos juntos, até Marc se despedir e começar as jornadas mais longas. Mantivemos contato. Marc me enviava mensagens por celular em cada final de trajeto. Me contava sobre os cafés, os albergues, as cidades, e me dava notícias do seu corpo depois de jornadas extensas.
No vigésimo dia, Marc sumiu. Só voltamos a nos falar quando chegou a Santiago. Me mandou uma mensagem de áudio cheio de torcida por mim, disse que queria me ver quando eu chegasse. Me avisa?, me pediu. Eu disse que sim e segui por mais uma semana, com o meu corpo exausto, a pensar na loucura que Marc havia feito, em como ele havia conseguido.
No meu ritmo, cheguei. Fiz o último percurso na madrugada, acompanhado por Sebbas, que me chamava de corazón con patas. À noite, enviei mensagem a Marc, ele ainda estava na cidade. Me indicou no mapa sua direção, bem próxima à minha, no centro histórico de Compostela. Só não fui correndo vê-lo pois meu corpo não aguentaria. Mas fui o mais rápido que pude.
No bar, nos abraçamos com a mesma euforia de amigos que não se veem há anos. Já não havia mais cansaço no rosto de Marc, já não havia poeira em sua roupa. Me apresentou sua noiva... Claro, sua noiva. Então era esse o motivo de tanta pressa. Pensei nisso hoje, sete anos depois do nosso encontro: quem ama tem pressa. E ninguém consegue parar um coração com pressa. Por isso Marc caminhava como uma máquina inquebrável.
Naquele mesmo ano, eu me divorciava. E caminhava como un corazón con patas. De patas bem curtas. Mas ainda um coração que anda.
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Que delícia te ouvir!
a pressa de marc estava mais do que justificada.