Até o bagaço
Do interior #31 (aberta) Escrever sobre outras ilhas; ou como encontrar novas ideias para o texto; ou como fazer, do bagaço, a fruta
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Pareço repetitivo, mas esse mar é muito grande. E ainda estou navegando por ele, cheio de ilhas para visitar. Eu não sabia que a criatividade era uma coisa imensa que todo mundo tinha, até aprender a usar a minha.
Eu já disse que toda ficção é de si; que toda criação parte do mesmo lugar: de onde você está agora. Todo texto tem esse início. Já disse também que até uma tentativa de fuga para um outro planeta numa nave espacial parte desse mesmo lugar; até um conto de fadas criado “do nada” só existe porque existe o “tudo” de agora. Ou seja, de tudo que você tem no instante em que escreve: os desejos, a memória e as escolhas que pode fazer.
É desse ponto de partida — o mesmo para todos — que se cria e escreve. Enfim, eu não sabia que criatividade era essa coisa imensa que todo mundo tinha, até descobrir a minha.
Eu me achava pouco criativo, porque ainda não tinha aprendido a usar minhas histórias num texto. Era proibido, de acordo com quem nunca soube explicar o que era criação. É absurdo pensar que eu não tinha a licença para escrever sobre as coisas que eu mais sabia: a minha vida. Sobre os cenários que eu conhecia, as pessoas-personagens, as falas, os sentimentos. Eu acreditava mesmo que criativo era quem inventava “do zero”.
Mas não há criação do “zero”. Toda criação é do “tudo”.
Quando percebi o peso que minhas histórias tinham na hora de escrever uma história “do zero”, vi que não ia dar tempo de escrever tudo que eu podia. Ia precisar de outra vida.
Toda palavra que a gente escreve é fruto de uma escolha que nasce de uma consciência que nasce de um acúmulo que nasce de uma vivência. Ou seja: toda palavra que a gente escreve é fruto dessa engrenagem rodando: a nossa própria existência. Ou seja: tudo que escrevo começa, obrigatoriamente, do ponto em que estou agora (e de pesquisar no google, na barça, no álbum de família).
Tem gente que gosta de ir ao extremo e criar cenários fictícios a partir do que sabe agora. Tem quem gosta de criar de outro jeito, de um lugar mais próximo, como se espremesse um pouco mais a fruta antes de colher outros frutos, para ver se sai mais suco ou se encontra sementes ou bichos ou, quem sabe, outra fruta escondida. Mas é a mesma coisa, o mesmo princípio.
Eu gosto de espremer a fruta, de ir até o bagaço da história, de descobrir o que não descobriram ainda sobre um caso pequeno e, ao mesmo tempo, imenso. Gosto de encontrar as histórias que os outros não estão procurando.
Por exemplo: no velório do meu avô materno, a gente estava triste. Todo mundo chorou. Mas minha mãe se debulhou. Ela, que odiava o meu avô, foi a que mais ficou triste. Então não escrevi sobre o velório, mas sobre essa cena de minha mãe se debulhando pelo pai pela primeira vez. Mais tarde, noutro dia noutro ano não sei, olhei para a minha avó, naquele mesmo velório, e ela estava sorrindo. Ou melhor, ela estava alegre-triste no velório do meu avô. Então escrevi uma outra história, dessa personagem sendo feliz sendo triste.
A história do velório todo, o acontecimento fúnebre que todo mundo viu, eu nunca narrei.
Criatividade não é uma coisa que algumas poucas pessoas têm. É o que a gente faz com as coisas que todo mundo tem: as histórias que conhecemos. É esse mundo de memórias que acumulamos. Pois a memória é nossa fonte de pesquisa mais próxima. É nossa criatividade à espera do nosso trabalho de espremer as histórias, modificar o tom da lembrança e escrever mais.
Todo mundo é criativo. Só que alguns ainda não sabem como usar as ferramentas. Por isso, a criatividade ainda é como um fantasma, que muita gente acredita, mas pouca gente viu.
O susto bom é descobrir que o fantasma da criatividade somos nós mesmos, vagando pelo mundo. Ou melhor, nadando. Que esse mar é muito grande.
…
Falando em espremer as histórias…
Ontem, lendo um livro sobre um pai, pensei num outro jeito de contar a história sobre os últimos anos que tive com o meu. Foram anos difíceis, onde eu tentei de muitos jeitos, inclusive brigando, fazer meu pai viver mais. Mas meu pai não ouvia… Ontem eu percebi que eu não estava só tentando salvar o meu pai. Estava dando a notícia para ele de que ele estava morrendo. Por isso brigamos tanto, pois não é função de um filho dar essa notícia para um pai.
A história, agora, segue por esse caminho, diferente do que já escrevi. Uma história que ainda estou escrevendo.
Ou seja, uma história sendo espremida de novo e dando ainda mais suco. Até o bagaço.
…
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Beijo meu,
até logo.
Luca Brandão
Lucão,
eu leio isso e só penso que talvez a gente passe metade da vida tentando fugir de quem é - pra, na outra metade, descobrir que é justamente aí, na gente, que tá tudo.
Que nunca foi sobre inventar do zero, foi sobre ter coragem de olhar pra dentro. Espremer, como você tão lindamente disse. E, olha… quando a gente começa a espremer de verdade, descobre que tem mais suco do que imaginava. E mais: que o bagaço também vira história.
É bonito demais ver você colocando em palavras o que tanta gente sente e não sabe nomear: esse susto bom de descobrir que a criatividade mora no que somos, no que vivemos, no que dói, no que pulsa, no que ainda não entendemos… mas seguimos tentando.
Obrigada por esse texto. É daqueles que eu vou lembrar quando esquecer de mim.