Sem perder a ternura, sem perder a bermuda | Bilhete 03
Bilhetes sobre guerra e paz, poesia e outros rabiscos
Os bilhetes abaixo são minhas breves literaturas íntimas. Você pode apoiar este trabalho com uma assinatura paga e ter acesso aos conteúdos completos, as Cartas, o Clube de Leitura (2025) e outras coisinhas. É acessível e valioso :)
Um panfleto com um “Manual de sobrevivência” está sendo distribuído à população da Suécia e Finlândia em caso de guerra. Li isso agora em um site de notícias e não consigo mais pensar em outra coisa que não nas pessoas recebendo os panfletos.
E se fosse comigo? O que eu sentiria ao receber o panfleto de guerra? O que eu gostaria que ele tivesse? Me acalmaria ou criaria outra guerra em mim?
Talvez a guerra não alcance os dois países. Talvez seja uma medida tão preventiva que, ao invés de medo, o panfleto traga paz. A paz de saber o que fazer. Essa deve ser a função do panfleto de guerra distribuído aos povos: trazer alguma paz.
Aliás, me lembrei de um trecho do livro de Javier Naranjo, com frases de crianças definindo palavras indigestas como a “Guerra”:
Guerra é gente
que se mata por um pedaço de terra
ou de paz.
Saber o que fazer no meio de uma guerra é importante: ficar ou sair? Para onde ir caso eu tenha que ir embora? O que levar? O que deixar? Quando ir? Na primeira sirene? Na primeira bomba? A pé, de carro, na garupa de uma camioneta militar? E se tiver que ficar, o que eu preciso ter em casa? Onde comprar os suprimentos? Para quantos dias? Deixo a porta trancada ou aberta?
Sem perder a ternura
Mais de uma vez, dei curso de poesia para juízes federais. “O excesso de juridiquês atrapalha a mensagem”, “A gente precisa de uma linguagem mais simples”, “A poesia é uma linguagem que acalma”… Achei bonito quando ouvi isso dos alunos. Porque a poesia não tem essa função, de acalmar. Mas acalma.
Sei que a poesia também pode provocar guerras. Mas são outras. Um poema é uma bomba ao contrário. Gosto de lembrar que um bom poema triste também me acalma, me alegra. Um poema estridente pode ser um poema bonito:
“Porque há o direito ao grito.
Então eu grito.”
Clarice Lispector
Guerra é uma merda. Deveríamos discutir a distribuição de panfletos com poesias, não com um manual de sobreviência. Por isso fiquei pensando e torcendo: “Tomara que ao menos tenha um poema nos panfletos”.
Num escritório de contabilidade é bom ter poesia. Na padaria, na parede do banheiro do boteco, na camiseta do bebê, no elevador, num guardanapo, num bilhete de amor, num panfleto de guerra…
Não sei como me sentiria recebendo o panfleto, se o guardaria ou o arremessaria longe por guerras ainda existirem. Mas talvez eu guardasse um panfleto que tivesse um poema, como se guarda um bilhete de amor.
Os bilhetes de amor
são os foguetes
que vão nos levar à lua
outra vez.
L. Brandão
Bilhetes guardados
Guardo caixas com cartas e bilhetes, do tempo em que trocávamos cartas e bilhetes. De namoradas, leitoras, família… Nas cartas têm também fotos, anotações nas laterais, assinatura com um coração desenhado no canto. Os bilhetes são rapidinhos, mas também têm poemas, lembretes, notícias de amigas, de um tempo em que escrevíamos mais à mão.
Aliás, uma vez, em um namoro, entendi que estávamos no fim quando os bilhetes pararam de chegar. Por vezes, os bilhetes são outras coisas, são chocolates, beijos, mensagens de whatsapp, memes no direct. Mas aquando eles param de chegar…
Fique atenta(o) aos bilhetes.
Dica para escrever um bom bilhete
Para escrever poesias e bilhetes, não diga muito: diga menos, muito menos; diga a menor quantidade que puder dizer; diga quase nada. Depois retire os excessos, gorduras, redundâncias.
"Um poema
é mais vazio
do que cheio"
Sem perder a bermuda
Na última carta, encerrei com uma foto tirada na Serra da Canastra. A bermuda que eu usava era a melhor que eu tinha. Não a mais cara, mas a que eu mais gostava, comprada numa promoção de uma fastfashion. Eu a perdi naquela viagem a Minas Gerais. E sempre que vejo a foto, penso na bermuda esquecida no gancho da rede, na varanda de uma casa com o jardim de lavandas. Sinto até o cheiro da casa que alugamos quando me lembro da bermuda. Outro dia tentei comprar outra igual, mas já não era a mesma, não vestia bem.
A lição curta que fica é: só tire a bermuda quando for escrever um poema ;)
Bilhetinhos
Para receber os conteúdos da revista literária íntima, considere assinar a newsletter completa: crônicas, dicas de escrita e leitura, descontos exclusivos nos cursos mensais e livros; em 2025, assinantes terão acesso ao meu Clube de Leitura. Começa em janeiro
Meus cursos de escrita gravados estão em grande promoção neste mês. Cursos completos, inclusive o de “Como publicar um livro?”. Compre agora, estude quando quiser. Aproveite aqui
Últimos dias para comprar livros de presente de Natal. Peça pela minha loja os combos especiais que montei para presentear no Natal com livros. Bonitinhos demais: www.lucaoescritor.com/loja
Beijos, tchau!
Luca Brandão
"Para escrever poesias e bilhetes, não diga muito: diga menos, muito menos; diga a menor quantidade que puder dizer; diga quase nada. Depois retire os excessos, gorduras, redundâncias." Dicas preciosas com pitadas de lirismo. Muito bom! Devemos espalhar poesia desde agora, para estarmos preparados para o que vier. Abraço.