Aprendi a dividir a vida em certo e errado e, por muito tempo, perdi as coisas do meio.
Salgar ou adoçar; amar ou odiar; ficar ou partir… Mas as coisas mais gostosas que já provei misturavam os dois: sorvete de caramelo salgado é uma delícia; fazer amor com ódio é outra delícia; ficar partido não é tão gostoso, mas é uma expressão bonita.
A gente tem medo da mistura.
Às vezes perco a mão na poesia e acho que é pelo mesmo motivo. Por ter aprendido por tanto tempo a não misturar, a seguir uma linha só até o fim. Mas a coisa legal do poema é a “curvinha”, a ideia inesperada que entra no meio dos versos e nos leva para outro lugar. Uma espécie de mistura, uma coisa que não parecia caber no poema, mas que quando aparece, cabe.
Reparei também que perco a poesia quando me dedico mais à prosa. As histórias retas e mais longas me afastam da escrita dos versos. Um verso, por mais curto que seja, nunca é uma reta. São “curvinhas”. Então eu perco o timing, explico demais e passo reto, perco a curva.
Quando isso acontece, preciso me esforçar mais, reler poemas, ver filmes franceses, gritar “Alexa, toca Maria Bethânia no modo aleatório! no spotify”… Isso acelera minha volta aos versos.
“Haverá ainda, no mundo, coisas tão simples e puras como a água bebida na concha das mãos?”
Mario Quintana no “Caderno H”.
Ler Mario Quintana me ajuda a voltar mais rápido. Quando exagero na escrita, recorro ao “Caderno H” para lembrar que é na concha das mãos que se bebe a água mais gostosa. É na coisinha simples…
Dá muito trabalho encontrar as coisas simples do poema. Mas essa é a tarefa de quem escreve um poema, encontrar. Quase nunca acontece, mas quando acontece, dá até um troço no corpo.
“A importância do não saber no ofício da escrita”
Wislawa Szymborska no discurso do Nobel.
Parece outro assunto, mas não é. No discurso que fez quando foi buscar seu cheque do prêmio Nobel de Literatura, Wislawa falou sobre a importância de não se levar a sério, de improvisar; a força do erro. E se tem um elemento que importa para a escrita poética é o erro.
Escrever é insistir em algo que é o contrário da coisa exata. “Não saber aonde a escrita vai dar é o que me faz ir”, escrevi isso há alguns anos no caderno, para não me esquecer.
“Não acho que escrita se aprende em oficina. Escrevi a vida toda sem nunca ter frequentado aulas. Ando meio parado nos últimos anos, mas creio ser fase”
Discurso de um leitor quando divulguei um curso de escrita
Adorei o paradoxo da frase que ele criou: “Ando meio parado…”. Esse é um bom jeito de escrever, com paradoxos. Muita gente ainda acha que precisa resolver os paradoxos para começar a escrita, mas é com eles que escrevemos melhor nossas graças, as curvinhas… O caro leitor também está dividido entre o certo e o errado, o sal e o doce, o ódio e o amor. Nunca fez amor com raiva.
Falando nisso, acho esse negócio de “dom” meio cafona. Como se alguém pudesse mesmo escrever bem sem escrever mal. Só escreve melhor quem escreve pior várias vezes… Meio paradoxal, mas eu não disse que o paradoxo ajuda?
Adélia Prado escreve muito sobre a dureza de se fazer um poema leve. Manoel de Barros precisa usar óculos de desenxergar para encontrar poesia nas coisas miúdas. Mario Quintana tomou três foras da Academia de Letras para escrever um dos versos mais dentro da literatura brasileira:
“Todos esses que aí estão
atravancando o meu caminho,
eles passarão...
Eu passarinho!”
Se você não está errando, não está tentando direito, eu repito para mim o tempo todo. Aliás, estou cheio de frasezinhas hoje, hein! Tomara que seja a poesia voltando...
Mate a culpa, devore o desejo, um capetinha no meu ombro me diz, para diminuir o medo de escrever as coisas que não são só uma coisa nem outra.
Nesta semana, acrescentei uma nova prática para guardar as primeiras vontades do dia: escrever ao acordar. Meio que o contrário de um diário. Escrever mais para descobrir mais. Mais o quê? Não sei.
Escrevo antes do café, um texto por dia. Hoje falhei, escrevi dois. Meio exagerado, escrevi isso de repente e me lembrei do ando meio parado… Enfim, como não gosto de passar vontade, mastigo os desejos.
Em breve vou partilhar um pouco desses textos que tenho escrito antes do café por aqui. Um diário antes do dia. Uma coisa meio que no meio entre uma coisa e outra.
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Beijos exagerados,
Luca Brandão
Aaaahhhhh 🥹
Gamei nas curvinhas