Tudo que li me irrita quando ouço rita lee
Bilhete #24 A poesia de Leminski me lasca; o coelho na mágica da escrita poética
Em vez de dizer:
“Sua voz é a mais bonita que eu já ouvi”.
Você pode dizer:
“Sua voz quando ela canta
me lembra um pássaro mas
não um pássaro cantando:
lembra um pássaro voando.”
(Ferreira Gullar)
Essa é a coisa difícil e gostosa da poesia: não se contentar com o comum. E de, ao menos num ritmo novo, numa palavra nova, num som diferente, escrever mais bonito. Escrever de um jeito que o leitor, depois de ler, fique um tempo perdido, tentando encontrar o sentido, até encontrar uma ideia que seja, para si, o grande sentido do poema.
Poesia tem vários sentidos.
Digo isso sempre nos cursos, para que, ao escrever, a gente não se preocupe com o que os outros vão pensar. Os outros vão pensar. Essa é a beleza da escrita. E, se não pensarem, a gente repensa o texto. Mas tentar prever o que os leitores vão pensar é como tentar prever o que os leitores vão pensar. Inútil.
Falando de poesia, então, esqueça o que o leitor vai pensar. Escrever poesia é desapegar-se de um sentido. Um texto poético precisa ter vários sentidos, ou seja, precisa estar aberto a várias interpretações.
Quando leio este poema de Ferreira Gullar nos cursos, “sua voz (…) me lembra um pássaro voando”, cada aluno(a) diz uma coisa. “Que lembra uma voz muito alta.” “Que lembra uma voz muito livre.” “Que lembra uma voz que foge.”… Poderíamos fazer uma lista infinita do que uma “voz voando” faz pensar. Essa é a graça da escrita poética: os vários sentidos.
O que produz esse efeito — ao contrário do que muita gente pensa sobre a poesia — não é o jogo de palavras puro e gratuito. É o jogo provocado pela força da imagem criada pelo poeta: “Sua voz = pássaro voando”. Como assim? Uma voz parecida com um pássaro voando? O que ele quis dizer? Aqui está o lance, nesta pergunta: “O que o poeta quis dizer?”. E o que ele quis dizer é sempre o que a gente quis entender, ou pôde, ou conseguiu. Será que ele quis dar mais liberdade à voz, já que o pássaro me lembra isso? Será que ele quis dar mais altura a ela? Será que quis dar leveza? Isso tudo é o leitor pensando a partir de uma imagem incomum, de “uma voz voando”.
Além de tudo, os sons: “voz voando”. Um efeito gostoso na leitura provocado pela repetição das consoantes. Isso se chama “aliteração”, uma figura de linguagem que dá força ao texto. Faz esse encontro simples de palavras ser ainda mais poético.
Estamos falando de um poema só. Imagina a força que a escrita poética não tem em uma prosa poética? Ou seja, em um texto corrido, estruturado em parágrafos, mas com várias dessas imagens? Ao invés de dizer tudo, de explicar “tim-tim por tim-tim” numa história, a gente faz poesia, ou seja, cria imagens, e o leitor fica responsável por desembrulhar os sentidos. Isso é a prosa poética. Um texto em prosa com imagens, ritmos, sons, sentidos…
Um dos poetas que me fez amar a poesia, lá nos anos 2000, foi Paulo Leminski.
“Eu te fiz
agora
sou teu Deus
poema
ajoelha
e
me
adora.”
Paulo Leminski foi e é um dos grandes poetas da língua portuguesa. Digo isso não sozinho, mas em coro com a turma da poesia que ama esse pacote de sons, sentidos e ritmos que se lê num poema curto de Leminski. Ele é o poeta que mais dança com as palavras. Leia o poema anterior em voz alta, várias vezes. Veja o ritmo, o som, a rima não óbvia. A brincadeira com a divindade, o poeta divino, a obra-prima, o poema.
“Tudo
que
li
me
irrita
quando
ouço
rita
lee.”
Não preciso destrinchar esse poema agora. Ele já é seu. Toma!
Essa é a graça da poesia. Ou a coisa mais séria: provocar o eco na cabeça do leitor. Isso é demais!
…
O ritmo, a rima e a não-rima, os sons e as imagens. Como construir um poema que provoque tantos sentidos? Como desapegar do texto que explica demais? Para você que me acompanha aqui na news, um convite bem bonito: vamos investigar tudo isso juntos no último workshop de julho.
Neste mês, resolvi dar um break nos cursos mais longos para realizar dois workshops curtos: de escrita criativa e poética. No dia 12, passamos uma manhã deliciosa de sábado juntos, falando de escrita e criatividade.
O de poesia será no próximo dia 26 de julho, sábado, das 9h às 12h. Uma manhã lendo e investigando os poemas de Leminski, Adélia Prado, Manoel de Barros, Ferreira Gullar e cia. Aproveite! Este será o único do ano, um workshop para quem gosta de escrever bonito. Inscreva-se aqui no valor promo: www.lucaoescritor.com/cursos
(Apoiadores da news têm desconto de apoiador com o cupom exclusivo. Usem)
Um beijo poético,
Luca B.
Leminski é muito bom. Adoro os haikais. Abraço.